Nasceu em Lisboa em 19/02/51.
Arquitecto não praticante. Professor do Ensino Secundário. É actualmente, a tempo inteiro, guionista para televisão e cinema.
Poeta, declamador, autor de letras para canções e de histórias para crianças, autor de textos para televisão, para rádio e para teatro. Pintor nas horas vagas.
Entre muitas outras aventuras, integrou em 69/70 o grupo de teatro da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, foi fundador em 73 e animador do grupo de teatro “Lídia a mulher tatuada e os seus actores amestrados”, participou em 77 no concurso de televisão “ A visita da Cornélia”, colaborou nos programas de rádio “Pão com manteiga” e “Uma vez por semana”, tem colaborado periódicamente desde 79 com João Lourenço e Vera SanPayo Lemos na adaptação de inúmeros textos teatrais desde “Baal” até à “Ópera dos três vinténs”, ambos de Bertolt Brecht.
GRITO
De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.
De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.
De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.
De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.
De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.
De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.
De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.
De ti que deixaste um dia
que o teu corpo se cansassse
desta terra de amargura e alegria
e se espalhasse aos quatro cantos
diluido lentamente
no mais plácido
silente
e negro breu.
De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que deixaste
encerrado
em cada pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de revolta
que largaste à solta
e que ficou para sempre
em cada grão de areia
a ressoar
como um pálido rumor.
O grito que não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.
sábado, 6 de junho de 2009
JOSÉ FANHA (1951)
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