Nasceu na Póvoa da Atalaia (Beira Baixa) em 1923. Depois dos nove anos viveu em Lisboa até 1943, seguindo-se uma permanência de três anos em Coimbra. Fixa-se novamente em Lisboa até 1950, data em que abandona a capital para residir no Porto.
Em 1942, publica o seu primeiro volume de poemas, Adolescente, onde reúne composições que abrangem um período com início em 1940. Em 1945, dá à estampa Pureza. As Mãos e os Frutos (1948) marca o apogeu da poesia de Eugénio de Andrade, que, com este livro, oferece à poesia contemporânea uma das vozes mais límpidas e encantadas de um lirismo recuperado da pura safra trovadoresca. A este ciclo pertencem Os Amantes sem Dinheiro (1950) e As Palavras Interditas (1951). Com Até Amanhã (1956) e Coração do Dia (1958), este escrito sob o signo maternal, e Mar de Setembro (1961) procura o poeta renovar o seu léxico, tentativa essa que em Ostinato Rigore resulta mais equilibradamente de acordo com o espaço telúrico a que o poeta fixa a sua inspiração.
Cantor do Eros por excelência, prezando no “daimon” o agente, para o homem nostálgico, da sua integração na natureza, Eugénio de Andrade, reivindica para a sua situação de amante o êxtase da contemplação como força activa e transfiguradora. Poesia luminosa e aberta, é-lhe, a carne, templo da alma do mundo, unificada numa amanhecente visão panteísta.
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
sábado, 6 de junho de 2009
EUGÉNIO DE ANDRADE (1923)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário